Apesar da decisão -- que foi acompanhada de apoio psicológico e psiquiatra --, os efeitos do cigarro no seu organismo já se tornavam evidentes. A tosse era constante no seu dia a dia, principalmente diante de mudanças no tempo. "Eu banalizava esses sintomas, vivia muito no automático". Até que sua irmã foi diagnosticada com câncer de pulmão e isso acendeu um alerta em sua mente.
"Eu pensei: 'se minha irmã, que fumou por menos tempo do que eu, tem câncer, imagine eu'", conta. Foi, então, atrás de um médico e descobriu que, felizmente, não tinha o tumor. Mas tinha enfisema pulmonar, um tipo de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) cujo principal fator de risco é o tabagismo.
A DPOC é caracterizada pelo estreitamento persistente das vias aéreas, o que pode ocorrer na forma de enfisema ou de bronquite obstrutiva crônica -- ou, em alguns casos, com ambos os distúrbios. Esse estreitamento torna o fluxo de ar nos pulmões, podendo levar à dificuldade para respirar, falta de ar, chiado no peito, cansaço e tosse, que pode vir com catarro ou não.
"Em geral, 80% dos casos de DPOC estão relacionados ao cigarro atualmente, mas exposição à fumaça de lenha e a altos níveis de poluição também podem causar a doença", explica José Eduardo Cançado, professor de Pneumologia na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, à CNN.
No Brasil, estima-se que 7 milhões de pessoas sofram com a doença e somente 12% dos casos são diagnosticados, segundo a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). De janeiro a abril de 2023, 2.589 pessoas morreram por DPOC, de acordo com o DataSUS.
A DPOC pode se manifestar de duas formas diferentes ou, em alguns casos, combinadas. São elas:
"Cada paciente pode ter características diferentes da doença. Tem indivíduo que tem DPOC que tem muito mais tosse e catarro, e tem outro que pode não ter tosse, mas ter muita falta de ar", explica Cançado. "O grande problema é que a maioria dos pacientes com DPOC tem tanto bronquite crônica, quanto enfisema", completa.
A diferenciação entre os dois tipos de DPOC é feita por meio do diagnóstico. Além da avaliação médica dos sinais e sintomas, além do histórico de saúde, alguns testes podem ser realizados para diagnosticar a doença. São eles:
Porém, Cançado alerta para o subdiagnóstico da doença. "Os sintomas iniciais da doença são semelhantes ao de um resfriado ou gripe e, então, o paciente vai para o pronto-socorro e, muitas vezes, recebe um xarope ou antibiótico. Ele melhora por um tempo, continua a fumar e não é feito o diagnóstico da DPOC e o tratamento adequado", afirma o especialista.
"Em geral, o paciente recebe o tratamento quando ele já tem um quadro avançado de perda de capacidade pulmonar e, muitas vezes, já é tarde para recuperar ou minimizar o impacto da doença", completa.
A DPOC não tem cura, mas tem tratamento, o que inclui medicamentos broncodilatadores -- que dilatam os brônquios e facilitam o fluxo de ar nas vias aéreas --, terapia de oxigênio, em casos graves, e a reabilitação pulmonar, voltada para a prática de exercícios respiratórios que melhoram a respiração e a capacidade do paciente de praticar atividades físicas gerais.
Os medicamentos broncodilatadores inaláveis são as conhecidas "bombinhas". Eles agem relaxando os músculos ao redor das vias aéreas, aliviando a tosse e a falta de ar. Existem dois tipos: os de curta ação, que começam a funcionar em segundos e podem durar de 4 a 6 horas, e os de ação prolongada, que demoram mais para começar a fazer efeito, mas é duradouro.
Dependendo da gravidade da doença, pode ser necessária a combinação de broncodilatadores e corticoides inalatórios, que são usados juntos em uma mesma bombinha. Em alguns casos, também pode ser indicado o uso de medicamentos corticosteroides orais, que ajudam a prevenir o agravamento da DPOC.
Recentemente, uma nova terapia tripla inalatória para o DPOC foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), combinando dois broncodilatadores de longa ação com corticosteroide anti-inflamatório inalatório em uma mesma bombinha. Em ensaios clínicos randomizados, a nova terapia, da biofarmacêutica AstraZeneca, apresentou o potencial de reduzir 52% das crises relacionadas à DPOC.
Porém, uma das medidas mais importantes do tratamento é parar de fumar. "Quando o paciente consegue parar de fumar, a velocidade de progressão da doença diminui. A pessoa não vai recuperar sua capacidade pulmonar, mas vale a pena parar de fumar", orienta Cançado.
Além disso, manter a vacinação em dia é uma medida fundamental para reduzir o risco de infecções em pacientes com DPOC. "Cada vez que o paciente tem uma crise, ela inflama mais os brônquios, a função pulmonar decai e a doença progride. Então, prevenir infecções ajuda a prevenir crises e exacerbações da doença", explica o especialista.
A reabilitação pulmonar é um importante tratamento não farmacológico da DPOC, pois ajuda a melhorar a qualidade de vida e a respiração do paciente. Os programas de reabilitação pulmonar costumam incluir exercícios respiratórios, aconselhamento nutricional e apoio psicológico.
De acordo com a Mayo Clinic, organização sem fins lucrativos da área de serviços médicos e de pesquisas médico-hospitalares de referência nos Estados Unidos, a reabilitação pulmonar pode reduzir a issão no hospital, aumentar a capacidade de realizar atividades cotidianas e melhorar a qualidade de vida do paciente com DPOC.
Desde que foi diagnosticada, Carla realiza exercícios respiratórios e, durante a pandemia de Covid-19, foi o que a ajudou a superar a infecção pelo coronavírus. "Eu peguei Covid e tive 35% do meu pulmão comprometido. Eu não fui internada graças ao apoio que tive de médicos e graças ao exercício respiratório", relata. "Hoje em dia eu pratico yoga, que eu acredito que é uma atividade fundamental para o equilíbrio respiratório e físico", conta.
Com a prática de atividade física e a reabilitação pulmonar, Carla consegue ter uma boa qualidade de vida mesmo com DPOC. "Eu gosto de viajar e quando eu viajo, eu ando muito. Graças à preparação física, que não é muita, mas inclui esses exercícios respiratórios, eu consigo fazer minhas viagens", finaliza.