Neste sábado, a legislação que regulamenta o SUS completa 30 anos, em meio à pandemia da Covid-19 e obstáculos que permanecerão mesmo depois da crise do novo coronavírus.
A crescente desigualdade entre as regiões e a defesa que aparece de tempos em tempos pelo fim da gratuidade universal são alguns dos desafios que o sistema deve continuar a enfrentar nos próximos 30 anos.
Leia também:
Pandemia faz brasileiro priorizar apoio à saúde universal, aponta ONU
Seis meses de pandemia mostraram resiliência do SUS, diz vice-diretora da OMS
Uma prévia de uma pesquisa da OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgada na última sexta-feira (18) mostra que o o à saúde universal e medidas contra as desigualdades aprofundadas pelo momento são as principais prioridades apontadas pelos brasileiros para os próximos anos.
À CNN, Mariângela Simão, vice-diretora geral da área de Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos, avaliou que os seis meses de pandemia mostraram a resiliência do SUS.
"Esses seis primeiros meses, no Brasil, mostraram, em parte, a resiliência do Sistema Único de Saúde", defendeu. "O SUS é um sistema robusto, mas tem em algumas partes do país – mais em algumas e menos em outras, e isso se reflete, por exemplo, num menor número de mortes em alguns estados e cidades".
A mesma visão é partilhada por Oswaldo Tanaka, diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo). "Acredito plenamente que o SUS foi essencial para o Brasil. Se não o tivéssemos, em um país de 200 milhões de habitantes, com essa extensão, haveria muito mais mortes".
Ele conta que a resposta rápida do sistema público à pandemia foi essencial para a qualidade da resposta. Essa capacidade de organização faz parte da constituição do sistema, que dá muita autonomia entre os poderes. Tanaka também destaca as Unidades de Saúde Básica, que prestam o primeiro atendimento e encaminham para especialidades, caso seja necessário.
Entretanto, esse ponto de vista não é unânime. Em entrevista à Agência Brasil, o presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), César Eduardo Fernandes, disse que a resposta do SUS à pandemia foi "de razoável para boa".
Ele destacou que muitos hospitais foram reequipados e as equipes médicas ganharam reforços nos últimos meses, mas questionou se essa resposta não poderia ter sido melhor se a atenção básica não tivesse perdido investimento ao longo dos últimos anos.
“Nesse período de pandemia, os profissionais estariam mais preparados para dar o primeiro atendimento e uma filtragem correta desses casos, não haveria necessidade dessa ida em massa para os serviços hospitalares”, declarou.
Para Oswaldo Tanaka, da USP, para além do atendimento dos casos de Covid-19, a importância do SUS é imensurável.
"O SUS é a política pública de maior inclusão social que esse país teve nos últimos 30 anos, porque determinou que todos tivessem direito à saúde. Que todo município desse país tivesse uma equipe de saúde. Permitiu que o setor público tivesse postos médicos nos vários rincões do Brasil", diz.
No entanto, essa capilaridade é também a raiz de um dos maiores desafios do sistema. "O desafio de hoje é o sucesso de ontem. Se o SUS não tivesse integrado tanta gente, o pessoal estaria morrendo e a gente não estaria sabendo. O SUS atende mais de 100 milhões de pessoas, o que pressiona o sistema e cria filas", diz.
Para ele, um dos maiores obstáculos é o tempo que demora para levar o paciente da atenção básica até as especialidades, que ainda se concentram nos grandes centros urbanos. Porém, ele vê a pandemia como uma chance de atenuar essa dificuldade. "Vamos ganhar uma grande coisa com a pandemia, o teleatendimento", diz.
O especialista explica que, se o médico da atenção básica puder atender em conjunto com um especialista à distância, poderão solucionar muito mais casos.
"Claro que não resolve por completo. Vão ter casos em que vai ter que transportar o paciente mesmo. Mas estou apostando que isso pode ajudar a atender melhor".
Volta e meia aparece novamente o debate que propõe o fim da gratuidade universal do SUS. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, por exemplo, já questionou se era justo uma pessoa que recebe 100 salários mínimos ter o atendimento 100% gratuito.
Tanaka lembra que o o à saúde é previsto na Constituição e uma questão de cidadania. "A Constituição que criou o Estado de direito neste país diz que a saúde é direito do cidadão e dever do estado. Todo cidadão tem direito à saúde, independente de raça, cor ou capacidade de ganhar dinheiro. Acho que a sua leitura depende de, do ponto de vista de cidadão, você achar que alguns podem ter direitos e outros não. Se eu acredito em democracia, acho que todos têm direitos iguais", diz.
"O problema é a desigualdade, que não é um problema só do SUS, mas da sociedade inteira".
(Com informações da Agência Brasil)