Os dados são do relatório "Violência de gênero contra jornalistas", produzido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), com apoio do Global Media Defense Fund da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Entre as jornalistas agredidas, o levantamento aponta que a âncora da CNN Daniela Lima foi a mais atingida.

"Em apenas um ano, ela foi alvo de 8 ataques diferentes, relacionados a temas de política, segurança pública e economia e emprego. Em um único caso, Lima foi alvo de cinco agressores diferentes”, mostra o estudo.

Leia Mais

O levantamento, divulgado nesta terça-feira (8), Dia Internacional da Mulher, traz registros de ataques públicos contra "mulheres, cis e transgênero, meios de comunicação voltados para pautas feministas e agressões com características sexistas, homofóbicas, transfóbicas ou misóginas, classificadas como “ataques de gênero” e que podem vitimar homens e mulheres (cis ou trans) e pessoas não-binárias".

Entre os 119 casos, 38% foram classificados como ataques de gênero. Os alvos principais: a moral e reputação de jornalistas mulheres (32 casos) e ataques homofóbicos (8) e transfóbicos (1).

Os dados revelam ainda dois casos de violência física contra mulheres jornalistas e dois ataques online motivados por cobertura jornalística relacionada a gênero.

Além de Daniela Lima, o levantamento lista outras jornalistas brasileiras agredidas: Juliana Dal Piva, Mônica Bergamo, Patricia Campos Mello, Amanda Klein e Vera Magalhães.

As agressões e os agressores

A pesquisa da Abraji revela ainda que, em 18% dos 119 casos, as vítimas foram atacadas por seu histórico profissional, por suas conexões (pessoais ou profissionais) ou por aquilo que representam para o jornalismo brasileiro, independentemente do tema das reportagens e da cobertura.

Mas a maioria dos ataques (60%) foi motivada pela temática da cobertura jornalística, de política, e 52% dos agressores identificáveis foram agentes do Estado.

No caso da cobertura sobre saúde, em 80% dos casos das agressões, de acordo com o relatório, "a hostilidade contra as jornalistas e comunicadores foi, sobretudo, inflamada por opositores das medidas de distanciamento social e controle da pandemia, pessoas antivacina e grupos que acusam a imprensa brasileira de conspirar contra o governo de Jair Bolsonaro".

Pesquisa: em 2021, foram registrados 119 ataques contra mulheres jornalistas ou ataques de gênero / Abraji/Voces del Sur
Pesquisa: em 2021, foram registrados 119 ataques contra mulheres jornalistas ou ataques de gênero / Abraji/Voces del Sur

Segundo a pesquisa, 69% dos episódios de violência com mais de um agressor foram iniciados por autoridades do governo e funcionários vinculados aos poderes do Estado.

“Em 52% dos casos com múltiplos agressores, constatou-se uma tendência de vinculação entre essas autoridades e redes de trolls na internet. Nesses casos, autoridades públicas iniciaram os ataques e redes organizadas ou semi-organizadas de usuários os amplificaram, reproduzindo os mesmos conteúdos ou muitas vezes os mesmos termos, gerando um efeito de empilhamento de mensagens abusivas”, diz trecho do relatório.

O estudo detalha ainda que, em 68% dos 119 casos registrados, as agressões se originaram no meio digital. A maioria desses casos (93%) foi de ataques verbais para difamar e desacreditar a vítima, além de ameaças e restrições na internet.

Os pesquisadores construíram uma nuvem de palavras com algumas das ofensas mais comuns: “vagabunda”, “puta”, “feia”, “velha”, “biscate”, “queima rosca” e “viado” foram alguns desses termos.

Outras palavras que apareceram foram “loucas”, “mentirosas”, “fofoqueiras” e, com uma conotação mais ideológica, “militantes”, “jornazistas”, “comunistas” e “esquerdistas”.

Nuvem de palavras mostra as principais ofensas direcionadas às jornalistas mulheres, segundo pesquisa / Abraji/Voces del Sur
Nuvem de palavras mostra as principais ofensas direcionadas às jornalistas mulheres, segundo pesquisa / Abraji/Voces del Sur

Ataques pelas redes sociais

A metodologia do levantamento combina diferentes técnicas de coletas de dados por redes sociais e veículos de comunicação, além de transcrições de vídeos do Youtube.

Entre as plataformas analisadas, o Twitter foi a plataforma digital mais usada para ataques contra jornalistas (66), seguido por Instagram, Facebook, YouTube e WhatsApp.

Subnotificações

A Abraji monitora ataques a jornalistas no Brasil desde 2013 e alerta para o crescimento desses abusos ao longo dos anos. Entre 2020 e 2021, a associação registrou um aumento de 24,3% nos alertas de violações à liberdade de imprensa.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo considera ainda que um dos principais desafios para esse tipo de levantamento é a subnotificação de casos, “provocada pelo estigma que pode acompanhar o ato de denunciar uma agressão”.

Além da Abraji, o levantamento foi produzido em parceria com a rede Voces del Sur e conta com apoio do Instituto Patrícia Galvão; da associação Mulheres Jornalistas; da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), da empresa social Gênero e Número; do Comitê para a Proteção de Jornalistas (J) e do Repórteres sem Fronteiras.

Tópicos
Dia das MulheresMulheresUnesco