Na pequena fazenda onde vive recebeu a CNN para falar não só sobre o governo eleito e os populismos de direita, mas também sobre a existência de Deus e sua morte.
Mujica, que em agosto afirmou ter se curado do câncer de esôfago, mas que como consequência da radioterapia agora sofre de “uma patologia renal”, contou a Darío Klein, da CNN, que tem um buraco por onde lhe dão comida.
“Os que me trataram do câncer disseram que já matamos o câncer… O que não me disseram é que deixaram um buraco assim e que tem que ser preenchido… e a reprodução celular em um idoso é um desastre. Então, estou lá, tapando o buraco.”
“O que sinto é que me falta força. Ando uma hora no trator e fico exausto, tenho que deitar um pouco”, disse. “Minha juventude se foi. Por isso, brigo com os jovens: eles não dão valor ao que têm, não percebem.”
E, nesse aspecto da última fase da vida, Pepe Mujica reflete e diz que, para ele, Deus não existe. “Pessoalmente, penso que a vida é a aventura das moléculas e que este pedaço do planeta que estamos mordendo é o paraíso e o inferno, tudo junto”, disse.
“Viemos do nada e vamos para o nada. Mas tomara que eu esteja errado. Tomara que exista algo além e tudo mais, mas não acredito.”
Mujica, que em outubro deste ano disse estar “muito perto de empreender a retirada de onde não se volta”, garante que seu destino é ser enterrado embaixo de uma árvore em sua fazenda, onde está enterrada Manuela, sua cachorrinha que o acompanhou por 22 anos.
Em meio aos seus problemas de saúde, Mujica participou brevemente da campanha que levou ao poder seu afilhado político, o presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, que venceu no segundo turno pelo Frente Amplio com 1.196.603 votos.
“As circunstâncias me deram um prêmio”, disse Mujica a esse respeito, e garantiu que fez apenas três atividades na campanha, afirmando que é mentira que ele tenha sido o responsável por toda a vitória.
“No final, não posso ter o maior prêmio do partido”, afirmou.
É um prêmio que, segundo ele, não imaginava quando, há quatro décadas, saiu em liberdade depois de ar 14 anos preso.
Em meio às vitórias de políticos como Donald Trump, Nayib Bukele e Javier Milei, Mujica acredita que “esses populismos de direita têm muito a ver com o desaparecimento dos partidos. A política reduzida à aparição de grandes indivíduos que vão resolver tudo. Essa mitologia está substituindo o esforço coletivo dos partidos”, disse.
O ex-presidente criticou como as sociedades esqueceram o melhor do liberalismo — “os alicerces para enfrentar a tirania e o despotismo das sociedades aristrocásticas” — e agora essa doutrina se reduziu a uma equação econômica, o que ele chama de “economicismo”. E nessa crítica se inclui o presidente da Argentina, o libertário Javier Milei: “Aparecem alguns supostos liberais… libertários… caçadores, é como se quisessem caçar os 'anarquistas'… há coisas que são insustentáveis”.
O Uruguai, que acaba de optar pela alternância após um governo do Partido Nacional — de centro-direita — para voltar à esquerda do Frente Amplio, tem, nas palavras de Mujica, “uma democracia com partidos sólidos”.
O ex-mandatário assegura que a chave da democracia — sejam seus líderes de esquerda, centro ou direita — é que haja rotação no poder e nas lideranças. “Senão, você carrega o risco das decisões e não aprende com os erros… veja o papelão que está fazendo Evo (Morales), na Bolívia.”
Para José Mujica, no obstante, o motor da história não é a política, mas o amor.
“(É) o motor da vida. O motor mais importante.”
“A natureza inventou a vida, que é maravilhosa. Mas todas as coisas vivas estão condenadas a morrer. Para sustentar o motor da vida, ela inventou o amor. Aí está… não haveria vida sem amor.”
*Com informações da CNN en Español
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