Lula fazia críticas às organizações internacionais e pontuava que o Sul Global "não está representado de forma condizente com seu atual peso", quando teve a fala interrompida.

Antes do início dos discursos de chefes de Estado, o camaronês presidente da Assembleia Geral da ONU, Philémon Yang, reforçou aos chefes de Estado e de governo que as falas seriam limitadas a 5 minutos de duração. Caso contrário, o áudio do microfone seria cortado.

O presidente brasileiro não foi a única autoridade a ter o discurso interrompido. Os representantes de Serra Leoa e Iêmen, que antecederam a participação de Lula, também tiveram os microfones cortados.

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Durante o discurso, Lula  fez uma cobrança por “transformações estruturais” para solucionar o que chamou de “crise da governança global”.

Ele apontou que atualmente “a maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões”.

“A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado. A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades”, afirmou o presidente.

Lula disse que a “pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais”.

O Palácio do Planalto divulgou a íntegra do discurso preparado para ser lido no evento deste domingo.

Leia o discurso preparado por Lula para a Cúpula do Futuro da ONU:

Agradeço ao Secretário-Geral António Guterres pela iniciativa de promover esta Cúpula do Futuro.

Cumprimento a Alemanha e a Namíbia, por meio do chanceler Olaf Scholz e do presidente Nangolo Mbumba, por conduzirem o processo que nos trouxe até aqui.

Há quase vinte anos, o então Secretário-Geral Kofi Annan nos convidou a pensar em como revigorar o multilateralismo para fazer frente aos desafios do novo milênio.

Naquela ocasião, ressaltei nesta tribuna a necessidade de reformas para que a ONU pudesse cumprir seu papel histórico.

Aquela reflexão conjunta rendeu frutos como a Comissão de Consolidação da Paz e o Conselho de Direitos Humanos.

Outras ideias não saíram do papel.

Temos duas grandes responsabilidades perante aqueles que nos sucederão.

A primeira é nunca retroceder.

Não podemos recuar na promoção da igualdade de gêneros, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação.

Tampouco podemos voltar a conviver com ameaças nucleares.

É inaceitável regredir a um mundo dividido em fronteiras ideológicas ou zonas de influência.

Naturalizar a fome de 733 milhões de pessoas seria vergonhoso.

Voltar atrás em nossos compromissos é colocar em xeque tudo o que construímos tão arduamente.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e caminham para se tornarem nosso maior fracasso coletivo.

No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo.

Na presidência do G20, o Brasil lançará uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza para acelerar a superação desses flagelos.

Na COP28 do Clima, o mundo realizou um balanço global da implementação das metas do Acordo de Paris.

Os níveis atuais de redução de emissões de gases do efeito estufa e financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro.

Em parceria com o Secretário-Geral, como preparação para a COP30, vamos trabalhar por um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma da justiça, da equidade e da solidariedade.

Nossa segunda responsabilidade comum é abrir caminhos diante dos novos riscos e oportunidades.

O Pacto para o Futuro nos aponta a direção a seguir.

O documento trata de forma inédita temas importantes como a dívida de países em desenvolvimento e a tributação internacional.

A criação de uma instância de diálogo entre Chefes de Estado e de Governo e líderes de instituições financeiras internacionais promete recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial.

O Pacto Global Digital é um ponto de partida para uma governança digital inclusiva, que reduza as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias como a Inteligência Artificial.

Todos esses avanços serão louváveis e significativos.

Mas, ainda assim, nos faltam ambição e ousadia.

A crise da governança global requer transformações estruturais.

A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais.

A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões.

A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado.

A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades.

As instituições de Bretton Woods desconsideram as prioridades e as necessidades do mundo em desenvolvimento.

O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico [neste ponto, o microfone foi cortado e Lula encerrou a fala] e demográfico.

A Carta da ONU não faz referência à promoção do desenvolvimento sustentável.

Precisamos de coragem e vontade política para mudar, criando hoje o amanhã que queremos.

O melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governança capaz de responder de forma efetiva aos desafios que persistem e aos que surgirão.

Muito obrigado.

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