Se fôssemos arriscar uma fórmula por trás das séries mais assistidas e comentadas do ano, talvez fosse algo parecido com isso. Analisando algumas das produções que fizeram sucesso nas plataformas de streaming em 2021, há um nítido fio condutor que indica um desejo do público por um entretenimento conectado aos debates sociais do nosso tempo.

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Listamos abaixo dez séries que conquistaram grandes audiências em 2021, todas elas com doses leves ou cavalares de crítica social.

1- Round 6

Round 6 / Netflix / Divulgação
Round 6 / Netflix / Divulgação

A série mais assistida da história da Netflix, lançada em setembro e assistida em mais de 140 milhões de casas em todo o mundo, foi alvo de censura na Coreia do Norte e na China. O incômodo que ela causou nesses países é um indicativo de sua força para mobilizar reflexões profundas sobre desigualdade social e as dinâmicas de poder e controle político e econômico de governos e elites sobre a massa da população.

Seu sucesso, é claro, se deve em grande parte à habilidade dos roteiristas e diretor em tratar desses assuntos em um enredo que envolve rapidamente a atenção do público, com personagens carismáticos e bem construídos.

Produzida e ambientada na Coreia do Sul, Round 6 retrata a pobreza no país, tocando em pontos como a relação com a China e com os fugitivos da Coreia do Norte, país vizinho que vive há décadas sob um regime autoritário. A trama distópica gira em torno de uma competição em que os participantes, centenas de pessoas pobres e endividadas, se submetem a jogos de violência para conquistar um prêmio bilionário.

Os jogos são transmitidos em um programa de TV à elite do país, que se diverte com os sacrifícios dos competidores. A fotografia da série também é um aspecto importante que insinua paradoxos sociais: as fortes cenas de violência de "Round 6" se desenrolam em um cenário que lembra o de um desenho infantil, colorido e vibrante.

2- Bridgerton

A número 2 da nossa lista ocupa também a segunda posição entre as mais assistidas de todos os tempos na Netflix. Baseado na série literária "Os Bridgertons", da autora norte-americana Julia Quinn, a adaptação para a TV foi criada por Chris Van Dusen e tem produção de Shonda Rhimes - um dos maiores nomes de Hollywood, por trás de fenômenos como "Grey’s Anatomy" e "How to Get Away With Murder".

A primeira temporada da série foi lançada no Natal de 2020 e conta a história de Daphne (Phoebe Dynevor), a filha mais velha de uma família poderosa no século 19 em Londres. A protagonista precisa achar um bom pretendente para se casar, mas tem a expectativa de encontrar amor no casamento, o que é um desafio na época em que a série se a.

O ator do Zimbábue Regé-Jean Page interpreta o Duque de Hastings, um solteiro charmoso e rebelde, que foge de compromissos, mas que aos poucos vai criando um vínculo com a protagonista.

A trama central não é especialmente inovadora, mas alguns fatores garantem a originalidade da série: a química entre os atores, os diálogos instigantes, a sensualidade das cenas - que prioriza o olhar de Daphne sobre seu par romântico, e não o contrário - e a abordagem dos dilemas sociais da alta sociedade britânica do Período Regencial.

Outro destaque é o capricho com o figurino e o cenário da produção, que contou com o investimento de US$ 7 milhões por episódio - uma das séries mais caras já produzidas pela plataforma de streaming. "Bridgerton" teve a participação especial da atriz veterana Julie Andrews, que interpreta uma personagem que o público só conhece por voz. A Netflix já garantiu quatro temporadas da série, que serão lançadas ao longo dos próximos anos.

3- The Crown

Vencedora de sete categorias na última edição do Emmy Awards, "The Crown" foi uma das séries mais comentadas no Twitter em 2021 - e poderíamos arriscar um palpite de que também tenha sido uma das mais comentadas fora das telas.

A produção narra a história da realeza britânica no período pós-Segunda Guerra Mundial, quando Elizabeth II casou-se com Philip Mountbatten e, aos 25 anos, recebeu a coroa inglesa após a morte do pai, o Rei George VI. Na época, a televisão ocupava cada vez mais espaço, influenciando também a opinião pública em relação à família real. A série é um retrato íntimo dos desafios políticos e pessoais enfrentados pela monarca inglesa em seus primeiros anos no trono.

O sucesso de "The Crown" talvez se explique pela predisposição do público a mergulhar em narrativas sobre a família real, mas também tem muito crédito por seu elenco de peso - Claire Foy interpreta Elizabeth II nas duas primeiras temporadas, enquanto Olivia Colman assume o papel da monarca na 3ª e 4ª temporadas, e John Lithgow vive o ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill.

Mas o destaque está também pela direção de Peter Morgan, autor de dramas históricos sobre a coroa britânica e por isso grande conhecedor da história da família real, e pela abordagem mais complexa dos personagens, retratados como humanos em profundidade, e não apenas como figuras “ideais” da realeza. Paradigmas sociais, de gênero e poder são recorrentemente explorados no enredo.

Como não poderia deixar de ser quando se trata de produções sobre a família real inglesa, o seriado não economiza em pompa e luxos, e por isso tornou-se a série mais cara da Netflix e uma das mais caras já produzidas na história, com um orçamento de US$ 13 milhões por episódio.

4- Sex Education

Com a terceira temporada lançada há poucos meses, "Sex Education" é um sucesso de público e também entre profissionais e pesquisadores especializados em sexualidade - contrastando com "Sex/Life", produção de temática semelhante mas com abordagem considerada negativa por especialistas.

A trama de "Sex Education" tem como ponto de partida o adolescente Otis, dono de uma personalidade insegura e retraída, mas filho de uma terapeuta sexual que trata do assunto com o garoto munida de uma naturalidade quase excessiva. Ele se junta a sua amiga Maeve e a a vender conselhos sexuais para seus colegas de ensino médio.

O enredo mostra que até aqueles que aparentam ser bem resolvidos com o assunto carregam as mesmas dúvidas e receios em relação à própria sexualidade, consolidando uma produção de entretenimento bastante informativa, responsável e bem-humorada, que toca em assuntos tidos como tabus de forma leve, mas sem perder suas muitas camadas de profundidade.

A diversidade é outro ponto alto da série: os personagens principais têm, de fato, condições variadas em termos de orientação sexual, raça, nacionalidade e padrão estético. Além disso, a série tem uma rotatividade de quatro diretores (Kate Herron, Sophie Goodhart, Alice Seabright e Ben Taylor) e nove roteiristas (Laurie Nunn, Sophie Goodhart, Bisha K. Ali, Laura Hunter, Laura Neal, Freddy Syborn, Richard Gadd, Rosie Jones e Mawaan Rizwan), que também formam um time diverso e representativo.

Apesar de ser ambientada nos dias atuais, a fotografia e a trilha sonora remetem à estética oitentista, com hits de A-ha, Talking Heads, Al Green, Etta James e Bob Dylan.

5- Maid

Baseada na história real contada por Stephanie Land no livro "Hard Work, Low Pay, and a Mother’s Will To Survive" (2019), a série da Netflix narra a história de uma mulher que se vê desamparada depois de escapar de casa junto à filha pequena, fugindo de um relacionamento abusivo.

Ela, então, se submete a trabalhos precarizados como faxineira e precisa contar com o auxílio de programas sociais para se manter. Após ser lançada em 1º de outubro, a produção ficou sete semanas consecutivas no Top 10 de séries mais assistidas da Netflix no Brasil. Nos Estados Unidos, "Maid" não saiu da lista desde seu lançamento.

A trama expõe os percalços burocráticos enfrentados pela protagonista Alex (Margaret Qualley) para conseguir ar políticas públicas enquanto vítima de violência psicológica. Explora também os próprios bloqueios da personagem para reconhecer as agressões que sofreu, e retrata o olhar de quem a a ser tratado como cidadão subalterno servindo famílias de classe média-alta.

Outro aspecto importante é a relação problemática de Alex com sua mãe, a artista plástica Paula, interpretada por Andie MacDowell, que também é mãe de Margaret Qualley fora das telas. Alex, enquanto mãe e enquanto filha, protagoniza situações que mobilizam o duro, complexo e necessário tema da violência doméstica. A série ganha relevância ainda maior ao focar no aspecto das agressões psicológicas, frequentemente relativizadas e naturalizadas.

A criadora da série, Molly Smith Metzler, já esteve por trás de outras produções como "Shameless" e "Orange is the New Black". Apesar da densidade do assunto, Molly conseguiu construir na minissérie de dez episódios uma narrativa que trata com consistência lições sobre autoestima, recomeços e a potência do amor entre mãe e filha.

6- The Morning Show

Com Jennifer Aniston, Reese Witherspoon, Steve Carell e Billy Crudup (que levou o Emmy 2020 pelo papel de Cory Ellison), "The Morning Show" se beneficia de um ótimo elenco para narrar uma história também forte: a série desdobra os bastidores de um programa de TV jornalístico após a revelação de um escândalo de assédio sexual no ambiente de trabalho.

Em entrevistas após o lançamento da primeira temporada, em 2020, a memorável estrela de "Friends" revelou que interpretar Alex Levy, a âncora do programa fictício "The Morning Show", foi como “20 anos de terapia”, e ressaltou que trata-se de um dos papéis mais difíceis que ela já fez.

A produção explora a temática do assédio sexual abordando a questão do silenciamento das vítimas, dos interesses que circulam pelos bastidores de programas de televisão e dos desafios de ser mulher nesse ambiente de trabalho.

Após a repercussão dos assédios cometidos por Mitch Kessler (Steve Carell), quem assume como âncora do programa ao lado de Alex é Bradley Jackson (Reese Witherspoon). O vínculo que se estabelece entre as duas mulheres é outro aspecto de destaque da série. Lançada no final de 2019, "The Morning Show" teve sua segunda temporada liberada ao público em setembro deste ano.

7- Mare of Easttown

Estrelada por Kate Winslet, a minissérie da HBO Max - serviço de streaming que chegou ao Brasil ainda em 2021 - narra a história de Mare Sheenan, uma detetive da pequena cidade de Easttown, na Pensilvânia (EUA). A rotina pacata do lugar é quebrada pelo desaparecimento de uma jovem e o assassinato de outra.

Mare precisa lidar com a sobrecarga da investigação dos casos e, ao mesmo tempo, com os crescentes problemas da sua vida pessoal. Em uma envolvente trama de mistério, "Mare of Easttow"n explora também os dramas de uma protagonista que lida, ela mesma, com conflitos familiares, com questões de saúde mental e com o luto por seu filho, que era dependente químico e com quem tinha uma relação atribulada.

Indicada sete vezes ao Oscar e dona de uma estatueta por sua atuação no filme "O Leitor", Kate Winslet foi também premiada em 2021 com o Emmy de Atriz Principal em Minissérie pelo papel de Mare Sheenan - um dos três troféus conquistados pela série na premiação.

"Mare of Easttown" ficou entre as séries mais assistidas da HBO Max. A popularidade da produção fica a cargo da atuação de Kate Winslet, da impressionante complexidade do enredo e dos personagens, desenvolvida em apenas sete episódios, e da linha narrativa em que o público gradualmente desvenda os mistérios junto com a protagonista Mare, sem que qualquer ponta permaneça solta ao final da série.

8- The Underground Railroad

Dirigida por Barry Jenkins - o celebrado diretor de "Moonlight", filme que conquistou oito estatuetas do Oscar em 2017 - "The Underground Railroad" é inspirada no romance homônimo de Colson Whitehead, vencedor do Prêmio Pulitzer.

A minissérie de dez episódios da Amazon Prime aborda a escravidão no período que antecede a Guerra Civil dos Estados Unidos, em pleno século 19 no sul do país. A protagonista, Cora Randall (Thuso Mbedu), é uma jovem trabalhadora escravizada em uma plantação de algodão. Após conseguir escapar, ela se vê sozinha, batalhando desesperadamente pela liberdade.

É ao conhecer Caesar (Aaron Pierre) que ela descobre um caminho subterrâneo secreto por onde pode fugir com mais segurança. A protagonista é interpretada pela expressiva sul-africana Thuso Mbedu, indicada duas vezes ao Emmy.

A ferrovia subterrânea em questão, que dá título ao livro e à série, realmente existiu. O caminho clandestino era organizado por pessoas que auxiliavam negros escravizados a fugir para o norte dos Estados Unidos, onde havia ampla defesa do trabalho livre assalariado.

Em "The Underground Railroad", o terror da sociedade escravocrata é duramente representado em cenas de extrema violência e crueldade, o que torna a série densa, de difícil digestão, e por isso mesmo tão potente na abordagem da temática proposta.

Em coletiva de imprensa online, Jenkins reiterou sua intenção de construir uma narrativa que pudesse representar a dimensão devastadora experiência da escravidão, mas sem cruzar um limite de exploração do sofrimento da população negra. “Precisava ler a bússola ética e moral do limite aceitável e ser direto sobre a verdade que estava contando. Não para tentar caminhar nesse limite, mas para ter consciência sobre o que estávamos tentando comunicar”, afirmou o diretor.

9- The Chair

A série da Netflix acompanha a protagonista Ji-Yoon (Sandra Oh), que assume o cargo de diretora em uma respeitada instituição universitária. Além de ser a primeira mulher não-branca a ocupar a posição de chefia em uma grande universidade, ela banca o desafio em um momento de crise da instituição.

Em seis episódios curtos com cerca de 30 minutos cada, "The Chair" é uma criação de Amanda Peet e Julia Wym, e aborda questões raciais, etárias, de gênero, hierarquias e interesses, mas sem perder o caráter leve de uma série de humor.

Outro tema contemporâneo muito presente no enredo é a cultura do cancelamento, explorado a partir das críticas dos alunos da universidade em relação a comportamentos problemáticos dos professores e a partir das demandas dos estudantes por mais diversidade entre os docentes.

Conectada de forma sutil e aprofundada às questões do nosso tempo, construída a partir de personagens que fogem aos estereótipos, estrelada pela carismática Sandra Oh, breve e eficiente em seu lugar de entretenimento, "The Chair" é uma ótima série para maratonar e movimentar reflexões relevantes sem grandes dificuldades.

10- Lupin

Neste sucesso mundial que tornou-se rapidamente uma das séries mais vistas da Netflix, o ator Omar Sy, astro de "Os Intocáveis", dá vida ao imigrante senegalês Assane Diop, um ladrão que usa da astúcia e de truques imprevisíveis para enganar as vítimas. Assane, na verdade, tem uma motivação íntima para praticar tais atos: ele busca vingar a morte do seu pai 25 anos antes, quando foi acusado injustamente de um crime e se suicidou.

Embora esta série não seja diretamente adaptada de um livro, o protagonista inspira suas ações no personagem de um romance policial francês do século 20. É ele, aliás, que dá nome à produção: Arsène Lupin é "O Ladrão de Casaca", obra de Maurice Leblanc.

Belamente ambientada em Paris, a trama de Lupin prende os espectadores pela inventividade e adrenalina dos roubos brilhantes de Assane e tem também uma boa dose de comédia, mas explora outras camadas de profundidade ao expor as mazelas das relações do protagonista com sua ex-muilher, seu filho e, é claro, com o falecido pai.

Racismo e imigração também são temas que atravessam a série com críticas sutis, mas potentes. O charme e carisma de Omar Sy são a cereja do bolo que completa a experiência de assistir esta série.

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